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segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

Visita ao Paiol de Telha

“Existiu

Um eldorado negro no Brasil

Existiu
Viveu, lutou, tombou, morreu, de novo ressurgiu
Ressurgiu
Pavão de tantas cores, carnaval do sonho meu
Renasceu
Quilombo, agora, sim, você e eu”

‘Quilombo’, de Gilberto Gil

“Meu Deus, mas quanto está demorando este ônibus?” – pensei- “Tinha que chegar às 7.40 e já são 9 horas da manhã, podia ter dormido uma hora mais... A prof. Fernanda não atende ao telefone... será que se esqueceram de mim?”. Assim começou a minha aventura: depois de alguns minutos o ônibus com a Turma de Geografia de Irati chegou, me carregou e partiu em direção de um quilombo do Paraná, chamado ‘Paiol de Telha’.
Descobri a existência dos quilombos há um mês, então fiquei com muita vontade de visitar uma comunidade. Quando soube que esta turma ia pra la, não queria perder a ocasião de viajar com eles: assim, coloquei de lado o meu cansaço da semana de trabalho e decidi de ir.
Chegamos num lugar imerso na natureza, onde tinham alguns moradores que acolheram-nos com muito carinho e calor. Daí encaminhamo-nos até o espaço comum do quilombo aonde esperavam-nos com cantos, um lanchinho e uma conversa bem interessante sobre como é a vida de todos os dias e sobre a luta pela terra.
De facto, há décadas que os moradores da comunidade sofrem com o processo de espoliação de suas terras, que desde os anos ‘70 foram ocupadas por famílias alemãs e depois pela Cooperativa Agrária Agroindustrial. Depois de um processo jurídico complicado e comprido, os moradores da terra ganharam o direito oficial de ficar onde os bisavós deles nasceram. Os primeiros habitantes eram libertos que herdaram o território em 1860.  Em 2005 o Quilombo Paiol de Telha foi o primeiro reconhecido no Paraná pela Fundação Cultural Palmares e, em outubro deste ano, foi reconhecido pelo presidente do INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária). O próximo passo será a publicação do decreto presidencial de desapropriação do território. Em seguida, passa-se à fase da retirada de ocupantes não quilombolas e, por fim, ocorre a emissão do título de propriedade coletiva à comunidade.
Fiquei muito surpreendida ao escutar as dificuldades que estas pessoas tiveram para ter a permissão legal de morar no lugar que já pertencia a eles há muitos anos. Paradoxal, né? Felizmente, a luta deu certo e agora espero que os outros quilombos vão ter a esperança de conseguir o objetivo, com na mente o exemplo dos irmãos deles.
Pelo que diz respeito à cultura e às tradições, no quilombo coexistem cultura “negra” e cultura “branca”: alguns fazem rituais religiosos católicos e outros fazem rituais do candomblé (religião africana trazida para o Brasil no período em que os negros desembarcaram para serem escravos). Os orixás, para o candomblé, são os deuses supremos. Possuem personalidade e habilidades distintas, bem como preferências ritualísticas.
À tarde, andamos até algumas lindas cachoeiras e antes de entrar, alguns meninos e meninas do quilombo fizeram um ritual, com batuque e cantos, para pedir licença à água para nós entrar. Achei isso muito interessante, porque muitas vezes consideramos óbvios os recursos da natureza e acabamos por abusar deles como se fossem de nossa propriedade. Na verdade é o contrário: somos nós que pertencemos à Terra e a gente não pode esquecer disso. Depois de vários mergulhos e esguichos de água, voltamos onde estávamos hospedados para jantar e descansar.Mas a noite ainda não tinha acabado: de fato, depois da comida a gente foi num lual bem bacana, com fogo, tochas, incensos, batuque... Dançamos e cantamos juntos, para comemorar os deuses da natureza que acompanham a vida e a luta do Quilombola de todos os dias.

Em suma, a experiência foi muito legal e é parte integrante do conhecimento sobre as populações do Brasil que, infelizmente, têm “invisibilidade social”. Por outro lado, fiquei bem feliz em saber que o caminho em direção do reconhecimento formal vai para frente, apesar de todas as dificuldades e do tempo da burocracia. Espero que, além disso, serão também preservados os modos de vida, os conhecimentos tradicionais e a cultura deste povo. O Brasil é muito rico culturalmente, e não pode perder esta variedade que o caracteriza e que o faz tanto fascinante.
Obrigada Paiol de Telha por esta oportunidade, adorei, e vou levar para a Itália tudo o que aprendi. Espero que, com a informação e a minha experiência direta, vou aproximar a minha família e os meus amigos a esta realidade de luta pelos direitos e cultura que, ainda sobrevive e resiste à opressão da sociedade.
Gloria Bayma – Voluntária SVE


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