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quarta-feira, 6 de outubro de 2021

Ka'a Nhemongarai tekoa Monjolinho

 O território é mais do que um lugar para se ter uma casa e explorar a terra para sustentar a vida e o luxo de quem dela se diz 'dono'. Território é lugar de vida, de saúde, de estabelecer moradia, de cuidar da terra, para dela colher bons frutos, é tekoa.

A partir desse entendimento, de construir e reconstruir essas relações surge a tekoa Monjolinho, desmembrada da tekoa Tapixi, deseja trilhar seu 'tape porã' [bom caminho]; e uma das primeiras necessidades é ter sua Opy'i [cara cerimonial Guarani].

Feita com as mãos dos moradores da tekoa, madeiras cortadas na floresta, paredes de pau a pique, roliços outros lascados com machado; telhado provisório; o mais importante porém já acontece desde quando nem as paredes estavam colocadas: as noites de canto!

Opy'i em pé é hora de fazer a Ka'a Nhemongarai [cerimônia de bênção e batismo com erva mate].


Nuvens no céu, depois de algumas semanas de sol e terra seca, a chuva é esperada. E ela chega forte já na sexta feira. A noite na Opy'i é de expectativa de se será possível colher erva mate e sapecar na manhã seguinte.

Durante a noite e madrugada, muita chuva, alguns raios e um pouco de vento. Amanhece o dia com chuvica, as nuvens pesadas dão lugar a outras que quase dão passagem ao sol, o Xamoi [líder espiritual] se apressa com os xondaro kuery [jovens do gênero masculino] para colher e sapecar a erva mate, deixando os ramalhetes prontos, é só aguardar o meio dia para o inicio/sequência da cerimônia.

O céu fecha outra vez, chuva forte, o telhado provisório resiste. A comunidade se reúne, o fogo aquece a água do chimarrão e também os pés que molharam para chegarem ali.

O Xamoi entoa seu canto e o ritual inicia. Cada xondaro pega seu ramalhete, faz a caminhada circular sob o canto do Xamoi que continua forte. Após, depositam, um a um, seu ramalhete no altar junto com suas intenções, nomes de quem está presente e para quem está ausente também. O Xamoi e os xondaro kuery abençoam os ramalhetes com a fumaça dos petygua [cachimbo Guarani] na sagrada comunicação com as divindades.


Essa parte do cerimonial está encerrada, pessoas se sentam em volta do fogo, seguem algumas conversas, risadas, aos poucos cada um vai pra sua casa, porque quando anoitecer, será hora de voltar para a Opy'i e continuar o cerimonial.

Entre rápidos períodos de chuva mais amena transcorreu a tarde, noite chega, chuva que segue e aos poucos a Opy'i volta a se encher de gente. Ao chamado do Xamoi os xondaro e xondaria kuery se posicionam e entoam os lindos mbora'i [cantos sagrados Guarani]. As horas passam, atendimentos são feitos e, com seu canto característico o Xamoi  em consonância com as divindades revela os nomes dos espíritos que estão habitando os corpos. [traduzindo: revela o nome espiritual das crianças, o batismo Guarani dos xondaro].


Amanhã a cerimônia irá continuar. Agora é momento para repor as forças, uma refeição é servida, ali mesmo na Opy'i.

O domingo amanhece, ainda com chuva, durante a noite trovoadas e relâmpagos, a Xaryi explica que é bom que Wera e Tupã se manifestem assim, eles vem para limpar as coisas ruins [divindade do raio e do trovão, respectivamente].

Hoje o protagonismo é das kunha (mulheres) xondaria e xaryi kuery se reúnem na Opy'i,  providenciam a lenha para sapecar/secar os ramalhetes de erva que passaram a noite na Opy'i. Enquanto algumas cuidam do fogo, outras já socam no pilão as folhas mais secas, e essa ação é repetida várias vezes até os ramalhetes de erva mate praticamente desaparecerem. E no recipiente agora descansa a erva mate socada. Cada Xaryi e Xondaria se aproxima, prepara seu 'pote' com a erva mate e ao toque do Xamoi inicia a caminhada para consagrar, lentamente cada 'pote' é depositado sobre o altar com o nome de cada kunha e suas intenções que são recebidas pelo Xamoi. Este as abençoa em seguida as Xaryi e Xondaria kuery.


Mbora'i
são entoados, Xamoi orienta para os que precisam ter seu nome revelado ou sentem que precisam de uma benção especial se assentam mais a frente no banquinho posicionado para tal. Segue um canto solitário do Xamoi, depois passa a ser acompanhado pelos xondaro, xondaria e xaryi kuery; as vezes, a revelação vem rápido, outras demora mais. Nesta tarde, uma das meninas recebeu o nome de Ara Yvoty, em minha livre tradução como ‘flor do dia’, nome que eu, particularmente acho lindo.


Nos comentários e reflexões que seguiram os agradecimentos foram para todos e de todos. Para a comunidade pela participação, por levantar a Opy’i de forma tão rápida e pelo viver de cada noite; pela aproximação das famílias a partir da vivência espiritual, pela dedicação de cada um ao coletivo; para os Xamoi e Xaryi kuery pela tempo e partilha dos conhecimentos e pelas ‘nhe’e porã’ boas palavras. Para as divindades por nos permitirem viver e realizar o que realizamos. Nessa toada, encerrou-se a cerimônia e as pessoas seguem seus caminhos mais fortalecidas e abençoadas.

Aguyjevete!


Relato de Vivência por Ara Ju


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